quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Reisado de Marimbondo: de geração a geração

Por Julian Reis


A energia de quando era pequeno continua pulsante até hoje. Antônio dos Santos, mais conhecido como Sabal, que não bebe e nem fuma, é uma das maiores representações da cultura popular sergipana. Para quem já viu uma brincadeira sua, pode concordar que as suas maiores características são a risada contagiante e uma energia sem igual quando ele começa a dançar. Um vigor que impressiona já que está no auge de seus 69 anos diz que não pretende parar, só quando Deus chamar.

Gerações

O Reisado de Marimbondo existe há 211 anos, foi criado pelo seu bisavô, Luiz dos Santos, em 1805 e é composto por 30 integrantes da sua família, inclui sobrinhos, irmãos, esposa e a mãe de seu Sabal. No povoado Marimbondo, no município de Pirambu, o Reisado resiste às dificuldades e continua afinado com sua batida forte de gerações. A cada ano que se passa, a brincadeira fica mais esquecida, porém o grupo não desanima e continua resistindo, não poderia ser diferente, já que todos os componentes do grupo usam como espelho a força do mestre que com sua alegria não deixa a peteca cair.

Todos os 30 participantes do Reisado são da família Dos Santos.
(Foto: Dandara Prado)
Dona Ismênia representa a geração mais antiga no reisado, foi ela que levou Sabal para a brincadeira. “Comecei a botar esse meu filho, para brincar o caboclo quando ele tinha 16 anos de idade, e vi que ele tinha jeito, é como falam, vem de família”. Antônio junto com sua mãe que já está com 93 anos puxam as cantigas e ela segue cantando como se ainda fosse uma garota. O maior orgulho do Mestre é que sua mãe mesmo não sendo mais tão lúcida, ainda lembra de outras épocas. E diz com toda certeza e propriedade de quem já passou por muitas mudanças “Reisado como o de antigamente não fica mais um no mundo. Já brinquei muito. Antes a gente saia na sexta e só voltava na terça. Meu irmão fazia o caboclo. Eu já fiz a baronesa, a andorinha e a sereia, hoje vejo meus netos seguindo aprendendo e participando”.

De acordo com Sabal, o Reisado surgiu na sua vida desde menino, quando acompanhava a sua mãe dona Ismênia. “Com 16 anos assumi o Reisado, mesmo sem a confiança da minha mãe, porque ela achava que eu não iria dar conta da responsabilidade, mas estou aqui até hoje”, relembra o sorridente autodidata. Segundo Mestre Sabal, ele não pretende deixar o grupo, mesmo já sentindo as dores da idade, mas ele deixa bem claro que todos os filhos estão preparados para assumir seu lugar. “É só eu falar com qualquer um que não posso apresentar naquele dia, que eles próprios se organizam e sabem fazer o Matheus”. Ele demonstra todo o seu orgulho em saber que mesmo na dificuldade sua família está ali seguindo seus passos com toda a alegria, já que todos participam do folguedo de livre e espontânea vontade.

Árvore genealógica da família Dos Santos
(Por: Julian Reis)
José Alberto, o Beto de Sabal, é o filho mais velho e é responsável pelos toques e melodias da sanfona. Ele diz “Eu aprendi mesmo a tocar no Reisado, só vendo como se fazia, mas lembro que meu pai me batia com um cipó para eu não dormir durante as apresentações, que duravam a noite toda”, Beto conta com alegria, relembrando ainda que quando aprendeu a tocar sanfona tinha cerca de cinco anos de idade. Beto de Sabal ainda tocou o acordeon com o um outro grupo musical, mas sem abandonar o Reisado de Marimbondo, segundo ele a experiência ajudou a melhorar a técnica. Ele explica que já sabia tocar, porém aperfeiçoou suas habilidades para apresentar no Reisado conta orgulhoso da herança familiar que carrega.

De acordo com Dilma dos Santos, que faz a Dona Deusa no Reisado, e é a filha mais velha de Sabal, seu pai nunca forçou nenhum de seus filhos a participar da brincadeira, todos sempre demonstravam interesse sozinhos, “Eu digo por mim, desde que me conheço como gente que lembro de estar dançando, e hoje fico feliz em ver minha filha seguindo meus passos, e tenho certeza de que ela será a próxima Dona Deusa”. O orgulho fica evidente nos olhos dela em falar do Reisado e da importância que ele tem na história de sua família e dos moradores do povoado de Marimbondo.

A alegria do Reisado de Marimbondo
(Foto: Dandara Prado)
Infelizmente os recursos estão escassos, e hoje o Reisado de Marimbondo é mantido apenas com o trabalho do Mestre Sabal com suas vendas na feira e com o dinheiro de sua aposentadoria, mas o interessante é que mesmo na dificuldade, a família dos Santos continuam fazendo projetos para o futuro e as próximas gerações.

As características não se perdem mesmo no passar dos anos, e vemos que essa dificuldade não aflige as novas gerações, isso fica bem claro quando paramos para pensar, que é um folguedo totalmente familiar, começou com o bisavô Antônio, passou para Dona Ismênia, seguiu para Sabal que já deixou todos os seus filhos preparados, ainda temos a Dona do Baile Dilma sua filha, Beto que será o possível Mateus e que já tem seu filhos também participando do folguedo. É uma brincadeira de alegria, cultura e arte, que já está na sua quinta geração e que não pretende parar, já que a energia e o sangue caboclo como diz um dos cânticos do reisado, são mais fortes, igual ao de um guerreiro.

Mestre Sabal e o seu reisado familiar

Por Dandara Prado

Com 69 anos, Sabal tem o sonho de que 
reisado da sua família não acabe.
(Foto: Dandara Prado)
Homem simples e de coração enorme, Antônio dos Santos, ou Sabal como é mais conhecido, é o Mestre do Reisado do Marimbondo há 53 anos. Sua marca inconfundível é a risada alta que passa alegria a quem assiste ao espetáculo. O amor por “pisar” é o que o faz feliz. Como todo bom mestre e pai, ele ensinou esse amor para seus filhos e netos. Embora eles defendam que o amor pelo Reisado nasce com a pessoa.
Todo esse tempo de experiência e os transtornos da vida o transformaram em uma pessoa desconfiada, como ele mesmo diz, “cismado”. Geralmente, ao conhecer alguém novo, ele cria uma barreira de proteção. Mas, é só mostrar suas intenções e Sabal abre a porta da casa, da família e do seu coração. Para conquistá-lo, basta ser verdadeiro e ter os ouvidos atentos para ouvir suas histórias.
Se entristece ao ver o Reisado da sua família acabando por falta de recurso e convite para dançar. Guerreiro, sempre tirou dinheiro do seu sustento para fazer as roupas, transportar o seu grupo para os eventos e comprar instrumentos. No fundo, ele só quer a valorização e a continuação de uma dança que vem sendo passada de geração em geração.
Seu Antônio
Aposentado como Pescador, Sabal continua na ativa vendendo frutas e verduras na feira de Carmópolis nos domingos pela manhã. Sua roça, seu reisado e sua horta no quintal de casa é o que o faz feliz. Casou-se com 22 anos. Ele conta que a família dela não queria aceitar porque achava que ele era doido por dançar reisado. Aos 69 anos, é pai de oito filhos e possui vários netos. Uma família tão grande, que muitas vezes até ele perde as contas. Quando, durante a entrevista, perguntamos quantos filhos tinha, ele respondeu “Acho que uns 8, 9 ou 10”.

Dentre as atividades que pratica, cultiva a horta 
no quintal de casa é a preferida de Antônio.
(Foto: Dandara Prado)
Dos  oito filhos de dona Ismênia, Antônio é o mais velho. Assumiu o comando da família cedo, quando seu pai morreu e ele precisou ajudar a sua mãe no sustento da casa. Começou cortando cana, mas se orgulha de saber fazer várias coisas, inclusive construir canoa. Não teve tempo de ser alfabetizado, porém isso não faz dele menos sábio. Aprendeu a escrever seu nome para assinar documentos relacionados ao Reisado. Segundo Sabal, algumas pessoas já se aproveitaram do fato de ele não saber ler para o enganar. Inocente algumas vezes, já o fizeram assinar papeis em branco.
Para o seu neto Erick, Sabal é o orgulho da família. “Meu avô representa muito para mim. Desde criança que eu vejo ele brincando reisado. Eu até já brinquei com ele um tempo, mas não está no sangue mesmo brincar. Quem sabe daqui pra lá eu não volto a brincar. Ele é um grande pai, filho, mestre do Reisado, avô.”
Mestre Sabal
Apesar de nascer no meio do Reisado, Sabal começou a “pisar” mesmo com 10 anos, quando representava a figura do boi. Tornou-se Mestre e assumiu o lugar de Palhaço Mateus aos 16 anos, depois que este, que na época era contratado, arranjou confusão e foi expulso do Reisado. O maior medo da sua mãe, dona Ismênia, era que o público achasse que ele era jovem demais e deixasse de convidar o Reisado do Marimbondo para as festas. Ao contrário do que ela temia, seu filho se tornou conhecido em Sergipe por sua alegria infinita e risada única.
Segundo ele, o apelido Sabal surgiu ainda pequeno, quando ele brincava de “quatro-pés” com os amigos, ou seja, um abaixava e o outro pulava por cima. Como tinha facilidade na brincadeira, as crianças começaram a falar que parecia sabão: escorregava fácil. De sabão virou Sabal. No começo, Antônio se irritava com o apelido. “Mas, como criança quando se irrita com o apelido, aí é que o apelido pega mesmo. Todo mundo começou a me chamar assim”, explica ele.
As vestimentas do Palhaço Mateus são coloridas e o grande
destaque é o chapéu pontudo e enfeitado.
(Foto: Dandara Prado)
A pintura do rosto, com uma cruz na testa, e a roupa florida são os elementos que o transformam em Palhaço Mateus. É fácil identificá-lo no grupo pelo roupa diferente, pelo chapéu pontudo e por sempre ficar no centro junto com a Dona Deusa. O seu inseparável apito é o que marca os passos e transfere um tom de autoridade. Dentro do Reisado, o Mestre Sabal também teve outras funções. Apesar de ter sido autodidata nos instrumentos, ele ensinou aos seus filhos a tocar. Hoje, além de participarem tocando na parte instrumental do Reisado, eles também têm uma banda de pé de serra.
Mesmo com a idade avançada, Sabal não diminui o ritmo e continua com a mesma energia de quando começou a “pisar”. Essa é uma das suas maiores característica. Ele se orgulha de ser assim, nas palavras do próprio: “Só quando eu morrer, ou ficar doente né? Ai todos os meus filhos estão preparados para assumir, o que tiver desocupado vai".

Reisado familiar e autêntico sobrevive há duas décadas

Por Yslla Vanessa


Com 211 anos de história, o Reisado de Marimbondo é o mais velho de Sergipe, o único formado exclusivamente por componente de uma só família. O grupo já conta com membros da quinta geração familiar e guarda lembranças. Por ter uma ligação religiosa, o reisado trabalha com o boi, elemento principal que em cena remete a ressurreição de Cristo, um símbolo de renascimento, da vida e do reisado.

Nem mesmo a família Dos Santos sabe explicar o que os move. Pode perguntar a qualquer um deles o que os levam a dançar e eles vão dizer simplesmente que gostam de “pisar”. Tudo fica claro quando a apresentação começa. Do mais velho ao mais novo, é impossível não notar o sorriso no rosto e os olhos brilhando de felicidade. A resposta fica logo óbvia: É o amor.
História
Tudo começou quando em 1805, Luiz dos Santos deu início a tradição com o intuito de festejar o nascimento do menino Jesus através de uma manifestação popular, deixada no Brasil pelos Portugueses. Com a sua morte, o Reisado passou para as mãos de sua filha, Ismênia, deixando a responsabilidade em dá continuidade a tradição. Ela decidiu não deixar morrer o amor cultural, deixada por ele, o objetivo era de continuar a se apresentar, com toda dedicação, mesmo sem a presença do Senhor Luiz.
Com  93 anos, Dona Ismênia ainda participa
das apresentações do Reisado. 
(Foto: Dandara Prado)
Por ser mulher, Ismênia não podia assumir o papel do Palhaço Mateus e consequentemente de Mestre. Com isso, foi preciso contratar um homem para assumir o papel. A decepção aconteceu quando ele começou a beber demais, até durante as apresentações, fazendo o grupo passar vergonha. Ao ver todo o sofrimento da mãe, mesmo com apenas 16 anos, Sabal assumiu o lugar de Palhaço Mateus e de Mestre. Hoje, nessa nova geração, a cultura está sobe a responsabilidade de Antônio dos Santos, que brinca e canta, tendo como característica uma risada marcante.
A ideia de tornar o grupo uma tradição familiar deu certo. Resistindo a exatamente cinco gerações, incluindo sempre um integrante a mais, fazendo assim com que o grupo viva intensamente o conhecimento da tradição é denominado o Reisado de Sabal. Pai, filhos e netos, cada um com um papel nas manifestações. Dona Ismênia, por exemplo, era a dona Deusa, a mulher que tinha uma vestimenta diferente, sendo mais destacada, também, por interagir e dançar ao lado do mestre.
A família Dos Santos é composta por mais de 30 pessoas, sendo homem e mulher. Destes, os homens que fazem parte do Reisado tocam instrumento, como zabumba, triângulo, sanfona, e cavaquinho. Além de filhos e netos, tio de Antônio, também é integrante do folguedo. Em suas apresentações, o repertório musical é antigo, herança também familiar. Sabal conta que “ As músicas são composições do seu bisavô. Nós fizemos apenas uma nova, que chama-se Reisado de Marimbondo" destacou, alegremente, o mestre Sabal.
Mesmo com algumas dificuldades para manter esta tradição, por falta de recurso, o grupo se mantém a todo vapor, levando para algumas cidades, o significado do reisado, que sempre se renovará.
Reisado Singular
Manifestação tem a participação de toda a família.
(Foto: Dandara Prado)
Por ser um Estado rico em cultura, Sergipe tem em seu histórico grupos folclóricos que seguem a tradição cultural do Reisado. Na cidade de São Cristóvão, por exemplo, existe o grupo de Satu, folguedo que tem como personagens principais o palhaço Matheus, dona Deusa, e o boi. Assim como no reisado de Sabal, os brincantes cantam, dançam, se divertem. A diferença entre o Reisado de Sabal e o de Satu, é a tradição mantida pela familiaridade. Segundo a Professora Aglaé Fontes “Não existe nenhum reisado totalmente familiar quanto ao de Sabal, em Sergipe.’’
Estudiosa da Cultura Popular Sergipana, Aglaé Fontes, informa que não existe um número de Reisados existentes, hoje, no Estado de Sergipe. A professora ainda destaca o motivo do Reisado de Marimbondo resistir ao tempo. “Temos vários Reisados, mas nem sempre os grupos são insistentes como o de Sabal, então qualquer dificuldade, desistem”.
A força de Sabal é o que torna o folguedo tão autêntico. As características próprias do grupo são um símbolo da vontade em continuar uma história, sem renovação, mas acreditando sempre na trajetória cultural cujo objetivo é viver, de forma diferente, o reisado.